Existem diversas formas de trauma na infância. Entre eles, os mais conhecidos são os eventos traumáticos de situações específicas que são mais fáceis de identificar como abuso, violência, abandono ou negligência. Existem também outras formas de trauma mais sutis que podem se dar mesmo na relação com pais ou cuidadores presentes. Estes podem ser responsáveis presentes porém pouco disponíveis afetivamente, com práticas parentais baseadas na rigidez e autoritarismo ou na permissividade, falta de comunicação clara e transparente, o responsável ser acometido por um adoecimento que comprometa o exercício do cuidado e educação, entre outras características da relação que podem deixar a criança confusa, insegura no vínculo, culpada, e por aí vai.
A criança é naturalmente autocentrada, ou seja, ela tende a acreditar que situações externas a ela são diretamente relacionadas a ela. Não é raro ouvir relatos de pessoas que, na infância, se sentiram culpados pela separação dos pais mesmo sem essa correlação ter sido feita por algum adulto. A leitura que a criança faz dos acontecimentos à sua volta é voltada para si e ela tem pouco repertório para interpretar os fatos de outra maneira se os pais ou cuidadores não mantêm uma comunicação clara e direta com ela. Crianças são sensíveis a mudanças ambientais e segredos familiares. Elas percebem o que se passa à sua volta e podem criar uma fantasia ao redor dos fatos na tentativa de simbolizá-los.
Trauma não tem a ver somente com o evento ocorrido em si, mas com os recursos para lidar com ele. Entendendo que crianças ainda têm recursos de autossuporte e autorregulação limitados e que precisam aprender com seus cuidadores a usá-los, muito do desfecho do trauma pode ser acentuado ou atenuado a partir de como os adultos ao seu redor ajudam (ou não) a criança a entender o que se passou ou a protegem da exposição ao perigo.
Um evento traumático ou uma relação familiar de pouco acolhimento e responsividade podem deixar marcas que permanecem durante a vida adulta de forma mais ou menos evidente. Um exemplo pode ser na forma de se relacionar. Há pessoas que, de tão acostumadas a presenciar e viver violência e relações ambíguas por parte de quem é responsável pelo seu cuidado, acaba repetindo estes padrões na vida adulta por ser a forma de vínculo conhecida. Há também o trauma que, por ter ocorrido tão cedo, a criança não foi capaz de ter um registro nítido da situação ou dissociou como forma de proteção da memória. Estes registros ficam no corpo e podem ser difícil de difícil associação a algo específico pela própria pessoa. A exposição prolongada a estresse pode também deixar o corpo mais suscetível a doenças pois o cortisol em níveis elevados a longo prazo causa reações inflamatórias no organismo e impacta em outras funções do corpo. Vale lembrar que a separação entre mente e corpo é uma compreensão defasada do nosso funcionamento. Eles estão intrinsicamente relacionados, como nas doenças psicossomáticas.